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Ciborgues: o futuro da exploração espacial, o presente da humanidade

Ciborgues: o futuro da exploração espacial, o presente da humanidade

Em 1960, cerca de um ano antes do primeiro ser humano ir ao espaço, no Psychophysiological Aspects of Space Flight Symposium (Simpósio de Aspectos Psicofisiológicos do Voo Espacial), Manfred E. Clynes e Nathan S. Kline apresentaram o ensaio “Drugs, Space and Cybernetics: Evolution to Cyborgs” (Drogas, Espaço e Cibernética: evolução para ciborgues), que rendeu o resumo “Cyborgs and Space”.

Propuseram, então, o termo “ciborgue”, que é uma derivação da expressão “organismo cibernético”. Para eles, o ciborgue seria um ser humano melhorado e adaptado para que pudesse ir ao espaço. Os próprios autores reconhecem que alguns dos tópicos tratados no artigo parecem ficção científica (alguns até hoje parecem!), mas que são projeções para o futuro e que, talvez, este futuro não estivesse tão distante.

Oitenta anos se passaram e os seres humanos ainda dependem da respiração e da pressão atmosférica para sobreviverem (dois dos tópicos abordados no referido artigo), o que dificulta bastante a exploração espacial. Além disso, muitas das dificuldades apresentadas pelos autores, ainda continuam. Mas em uma coisa eles se mostraram certos: os ciborgues eram o futuro da humanidade. Destaco que utilizo o verbo no pretérito imperfeito porque, hoje, os ciborgues são o nosso presente.

A coleção de outono-inverno 2018/2019 da GUCCI, em Milão, chocou. A passarela era um centro cirúrgico e os modelos eram ciborgues, recortados, costurados, misturados, sem uma clara expressão de gênero ou origem étnica, alguns carregavam em suas mãos as próprias cabeças, outros, carregavam um dragão ou um camaleão. Esta coleção foi inspirada no “Manifesto Ciborgue. Ciência, tecnologia e feminismo socialista no final do século XX”, de Donna Haraway. Para Haraway, o ciborgue significa “fronteiras transgredidas, potentes fusões e perigosas possibilidades”. Para ela, hoje, todos nós somos, de certa forma, ciborgues. O ciborgue é aquele indivíduo que se uniu à tecnologia e necessita dela e, aqui, tecnologia não é apenas aquele computador de última geração, são todos os meios “artificiais” que temos para melhorar nossa performance no que quer que seja.

Hari Kunzru, em Genealogia Ciborgue, explica que a busca por melhorar as capacidades humanas, que o ser parte animal parte máquina, é uma realidade. “Juntas pélvicas artificiais, implantes de tímpanos para os surdos, implantes de retina para os cegos e todo o tipo de cirurgia cosmética fazem parte, hoje, do repertório médico. Sistemas de recuperação de informação on-line são utilizados como próteses para memórias humanas limitadas”, mas mais do que isso, para Haraway, a vida moderna proporcionou uma relação tão íntima Pessoa-Tecnologia, que já não podemos mais dizer onde acaba um e começa outro. Vacinas, academias, alimentos enriquecidos ou geneticamente modificados, tênis com amortecedores, computadores vestíveis. Quanto de nós é naturalmente humano e quanto é resultado de máquinas? Será que ainda somos os mesmos seres que habitavam a Terra no longínquo ano de 1960?

Há poucos meses foi anunciado que a Neuralink promoverá implantes em cérebros humanos para ajudar a curar lesões e que, em alguns anos, esta tecnologia pode se transformar em uma interface completa do cérebro humano, o que pode permitir uma “simbiose” entre seres humanos e inteligência artificial. Além disso, há bilionários se propondo a explorar o espaço ou criando um país próprio que está em órbita neste exato momento (isto será tema de um artigo futuro, aguardem!). Assim, refletir sobre quem somos e até onde vai nossa humanidade é relevante.

Diversos eventuais problemas psicofisiológicos dos astronautas ao saírem da Terra (tais como os apresentados no artigo tratado no início deste texto) ainda são uma preocupação quando se fala em exploração espacial. Além disso, isto ainda depende de legislações especializadas, de mais tecnologias, de investimentos. São diversas dificuldades, mas, tudo isso, pode ser bem mais fácil, com o desenvolvimento do ciborgue.

Encerramos este texto com uma reflexão de Tomaz Tadeu em "Nós, ciborgues. O corpo elétrico e a dissolução do humano": “Pois uma das mais importantes questões de nosso tempo é justamente: onde termina o humano e onde começa a máquina? Ou, dada a ubiquidade das máquinas, a ordem não seria a inversa?: onde termina a máquina e onde começa o humano? Ou ainda, dada a geral promiscuidade entre o humano e a máquina, não seria o caso de se considerar ambas as perguntas simplesmente sem sentido?"

Avisos:
Nós não encontramos o artigo Cyborgs and Space em Português. Tendo em vista que uma das funções do Folhetim XI de Maio, como Grupo de Extensão da Faculdade de Direito da UFG, é democratizar o acesso ao conhecimento, realizamos a tradução do referido artigo. Ela estará em nosso site oficial.
Informamos ainda que no processo de tradução substituímos todas as expressões em latim para suas traduções em Português e que traduzimos “men” como “ser humano”, não como “homem”.
Tradução feita por: Arthur Santana Silva
Revisão feita por: Gustavo Araújo dos Santos Júnior

Referências:
CHADWICK, Jonathan. The terrifying ´Neuralink’ machine that Elon Musk will use to turn humans into cyborgs by putting a chip in their BRAIN gets an ‘awesome’ upgrade, the tech billionaire claims. Daily Mail. Londres, Inglaterra, 07/02/2020. Disponível em <https://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-7977943/Elon-Musk-promises-awesome-update-Neuralink-brain-implant.html>. Acesso em 15/08/2020
CLYNES, Manfred E. Cyborgs and space. Astronautics, v. 14, p. 74-75, 1960.
HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX (1985). Antropologia Ciborgue, 2000.
KLINE, Nathan S.; CLYNES, Manfred. Drugs, space, and cybernetics: Evolution to cyborgs. Psychophysiological aspects of space flight, p. 345-371, 1961.
KUNZRU, Hari. Genealogia do ciborgue. SILVA, Tomaz Tadeu da (organização e tradução). Antropologia do ciborgue-as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, p. 131-139, 2000.
TADEU, Tomaz. Nós, ciborgues: o corpo elétrico e a dissolução do humano. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano, v. 2, p. 7-15, 2009.

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